Nem todos sabem, mas o programa de assistência social mais popular do
país tem forte relação com a escola pública. Quem recebe o Bolsa
Família, cerca de 50 milhões de brasileiros, precisa cumprir certas
condicionalidades. Algumas estão ligadas à Saúde, como fazer o
pré-natal, manter a vacinação dos bebês em dia e garantir boa
alimentação a eles.
Outras obrigam famílias com renda per capita inferior a 77 reais a
matricular os filhos na escola e garantir 85% de frequência para os de 6
a 15 anos e 75% para os de 16 e 17. O objetivo é focar a atenção no
progresso e no bem-estar de crianças e jovens nascidos pobres, rompendo o
ciclo de miséria entre gerações.
Dez anos depois do lançamento do programa, as estatísticas são
animadoras. As taxas de matrícula aumentaram cerca de 5,5% nos anos
iniciais do Ensino Fundamental e de 6,5% nos finais, segundo o estudo
The Impact of the Bolsa Escola/Familia Conditional Cash Transfer Program
on Enrollment, Drop Out Rates and Grade Promotion in Brazil, dos
professores Paul Glewwe, da Universidade de Minnesota, nos Estados
Unidos, e Ana Lucia Kassouf, da Universidade de São Paulo (USP). E o
abandono escolar diminuiu.
Em muitos casos, como o de Maria do Carmo Oliveira Alves – moradora
de Itatira, a 212 quilômetros de Fortaleza, e mãe de sete filhos -, o
dinheiro recebido é o que viabiliza a frequência escolar. “Antes, os
meninos revezavam quem ia para a aula porque não tinha chinelo para
todos. Os cadernos eram feitos com as folhas que sobravam dos vizinhos.
Eu costurava os papéis e entregava para eles irem para a escola. Lápis
também não sobrava, então eles eram repartidos ao meio.”
As análises acadêmicas sobre o Bolsa Família apontam que suas
consequências não se restringem a classes mais cheias. O programa
repercute também no desempenho dos meninos e meninas por ele atendidos.
Em sua tese de doutorado defendida em 2012 na Universidade de Sussex, na
Inglaterra, Armando Simões comprova que escolas com alunos
beneficiários há mais tempo apresentam melhor desempenho na Prova Brasil
do que as com estudantes contemplados há menos tempo. “As
condicionalidades do programa geram uma rede de auxílio com efeitos de
várias ordens. Do ponto de vista econômico, como o tempo e o dinheiro
investido nas crianças são maiores, elas progridem.” As mães, titulares
preferenciais do cartão, passam a ter mais autonomia e dinheiro para os
filhos. “Se a segurança financeira aumenta, é possível proteger a
criança dos impactos de situações desfavoráveis como desemprego e seca.”
A fala do especialista retrata o que acontece com Joselita de
Santana, mãe de três filhos e moradora de Araçás, a 106 quilômetros de
Salvador. Ela está desempregada e o marido preso. A sobrevivência é
garantida pelo Bolsa Família, usado para vestir as crianças,
alimentá-las e comprar o que precisam para estudar. “Os dois mais velhos
queriam mochilas de rodinha para levar os cadernos, comprei. Se
precisam de livro para a escola, eu também compro. Não é porque me
faltou oportunidade que eu não quero que eles tenham. Pelo contrário. Se
dependesse só de mim, ele seria policial e ela veterinária, como
sonham.”
De acordo com Simões, sua tese comprova que a Educação sozinha não
reduz a pobreza, conforme dita o senso comum. Medidas a curto prazo,
como a transferência de renda, são necessárias para chegar a efeitos de
longo prazo. “Para a Educação levar à superação da pobreza, é preciso
que ela seja enfrentada no presente, quando acontece.” Em média, os
beneficiários do Bolsa Família recebem 170 reais. No total, o país gasta
0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) com o programa.
Autonomia e dignidade
Outros aspectos, como a diminuição do trabalho infantil e o aumento
da participação familiar nos estudos dos filhos, também são observados
quando se analisa os dez anos de Bolsa Família. À medida que a
frequência escolar é uma garantia de renda, as crianças não precisam se
expor a trabalhos degradantes e mal remunerados.
Nota-se também o aumento da percepção da Educação como motor para
superação da miséria e transformação social. Uma das pesquisas sobre o
tema resultou no livro Vozes do Bolsa Família (249 págs., Ed. Unesp,
tel. 11/3242-7171, 40 reais). Os autores visitaram brasileiras
beneficiadas no Maranhão, no Piauí, em Alagoas e em Minas Gerais.
“Observamos que, libertas das necessidades mais elementares, muitas mães
se dão conta de que estudar significa a possibilidade de conseguir um
emprego mais qualificado e melhor remunerado”, conta Alessandro Pinzani,
professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coautor da
obra. “Todas prefeririam uma renda oriunda do trabalho com carteira
assinada. Mas nem sempre há vagas na cidade e falta qualificação. Por
isso, a esperança é que o filho estude e não precise viver de bicos ou
doações, na situação de precariedade e insegurança que elas já passam.”
É o que acontece na casa de Maria Conceição Pereira Sobrinho,
moradora de Itatira. Ela é mãe de Maria Amanda, estudante do 9º ano, e
acompanha de perto a aprendizagem da adolescente. Estudiosa, a garota
pretende concluir o Ensino Médio e conseguir uma bolsa para fazer
faculdade de Fisioterapia. “Quero arrumar um bom emprego e ajudar minha
família”, conta. Além de lápis e caderno, Maria Conceição juntou parte
dos 102 reais que recebe mensalmente e comprou um computador e uma
enciclopédia para os trabalhos escolares da filha. “Todo o dinheiro do
Bolsa Família vai para a Educação. Sabemos que para ter uma vida boa,
ela vai precisar estudar bastante.”
Sua conterrânea, Maria de Lurdes Castelo tem nove filhos e também
está atenta à evolução escolar de cada um. Prova disso é que ela fez
questão de que todos cursassem não apenas o Ensino Fundamental mas
também a Educação Infantil, mesmo sabendo que a faixa etária não entra
nos parâmetros do governo para receber a bolsa.
Fonte: Revista Exame