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questões relacionadas à fome e à segurança alimentar têm muita
relevância nos dias de hoje, principalmente, nos países pobres. Segundo o
último relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO) ainda existem cerca de 795 milhões de pessoas em
situação de subnutrição e fome no mundo, e 13,5% da população de países
em desenvolvimento vive com alimentação de má qualidade ou em situação
de subnutrição e fome.
Mesmo com diversas iniciativas que pretendem erradicar esse mal, a
fome ainda causa 45% das mortes de crianças de até 5 anos de idade
(aproximadamente 3,1 milhões de crianças todos os anos).
Uma das ações globais foi o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio
(ODM) número 1, que tinha como sua meta número 2: “Reduzir pela metade,
entre 1990 e 2015, a proporção de pessoas que sofrem de fome,
baseando-se nos indicadores da prevalência de crianças subnutridas
menores; a proporção da população que não atinge o nível mínimo de
crescimento dietético de calorias; disponibilidade de kcal para consumo
da população; prevalência de crianças (com menos de 2 anos de idade)
abaixo do peso por Regiões; Prevalência de adultos (20 anos ou mais de
idade) abaixo do peso; Prevalência de adultos com sobrepeso ou
obesidade”.
Essa meta não foi atingida até 2013, quando a população que se
encontrava em estado de fome ou subnutrição no mundo era de 14,3%. A
situação ainda é especialmente grave em diversas partes do mundo em que
ainda há mais de 10% da população nesse estado. Por exemplo, em 2013, a
proporção de pessoas que sofriam com a fome e a subnutrição na África
subsaariana era de 25% – percentual muito superior ao da meta.
ODS mudam a estratégia
Ao se comparar esse ODM com a atual forma dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), pode-se ver que houve uma mudança
radical na maneira de abordar o assunto pela Organização das Nações
Unidas (ONU). Muito disso se deu pela influência de organizações da
sociedade civil (OSCs) que fiscalizaram durante anos o cumprimento dos
ODM e daquelas que fizeram processos de advocacy.
Ao ir além do combate à fome, os ODS terão maior capacidade de
mudança, pois, em muitos países, a ajuda ao desenvolvimento poderá ir
além do mero envio de suprimentos. Em “segurança alimentar, melhorar a
nutrição e promover a agricultura sustentável”, o objetivo envolve mais
do que o alimento: sua qualidade e o modo pelo qual é produzido são
contemplados. Por exemplo, a agricultura sustentável é um meio de
cultivar alimentos sem fitossanitários e químicos, utilizados pelas
grandes empresas do agronegócio. Implica ainda a geração local de renda
para diversas famílias campesinas.
Apesar disso, ainda há OSCs que pediam que, no texto do ODS,
estivesse explicitado o direto à soberania alimentar. Ou seja, empoderar
a todos para que decidam o que cultivar e o que comer.
Críticas à redação final
A principal crítica feita ao formato final da meta 2.1 está
relacionada ao fato de não prever diversidades de alimentos e nutrientes
na dieta das populações, e apenas buscar “eliminar a fome e assegurar a
todos os povos, principalmente os pobres e as pessoas em situações
vulneráveis, inclusive crianças, o acesso a alimentos seguros,
nutritivos e suficientes, por todo o ano”. Em versões anteriores, houve
bastante pressão das organizações da sociedade civil para assegurar uma
linguagem com abrangência maior que a dos ODM.
Já a meta 2.2 passou por muitas mudanças de linguagem durante todo o
processo de negociação, pois em suas versões iniciais era bastante
generalista, prevendo que ações se limitassem a diminuir a desnutrição
de crianças, mulheres grávidas e lactantes. Com a influência de OSCs de
todo o mundo, houve um claro aumento de abrangência e maior
especificidade no texto, com a inclusão gradual de “meninas
adolescentes” e “pessoas idosas” entre os grupos. Também foi acrescido o
objetivo de alcançar todos os acordos internacionais para nutrição de
crianças até 2025.
Contudo, não há no item 2.2 algum tipo de número ou quantificação,
como há em outros objetivos e metas, o que é uma fragilidade para esse
texto, tornando-o ainda muito generalista e pouco eficiente para tratar a
questão.
Já a meta 2.3, que trata da duplicação da produtividade agrícola e da
renda de setores produtivos, tem como virtude tratar do acesso
igualitário a insumos, recursos, conhecimento, terra. No entanto, o
acesso à água e o crescimento sustentável da produção e da renda não
foram aceitos nas negociações do Grupo de Trabalho Aberto.
Na meta 2.4, as principais questões discutidas durante as negociações
foram a inclusão do uso da produção da agricultura e da pecuária
sustentável para a melhora da dieta e nutrição das populações mais
marginalizadas. Ainda houve sugestões que buscavam a ampliação do
escopo, ao adicionar ideias como práticas agroecológicas e a previsão de
implantação completa dessa meta até 2030, mas elas não foram aprovadas.
A meta 2.5, por sua vez, prevê “manter a diversidade genética de
sementes, plantas cultivadas, animais de criação e domesticados e suas
espécies selvagens”, temática de bastante relevância para diversas OSCs
de todo o mundo, já que o texto fortalece a luta contra os transgênicos e
alimentos geneticamente modificados. Um importante resultado da ação da
sociedade civil foi o modo como a pesquisa, o acesso e o uso de
recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais, que privilegiam o
acesso igualitário e justo, foram tratados pelo documento. Além disso,
foi possível tratar da gestão desses recursos e conhecimentos em nível
regional, nacional e internacional, o que fortalece pequenos
agricultores e a agricultura familiar frente a grandes monocultores,
latifundiários e empresas alimentícias.
Implementação dos ODS
Do texto, acabou sendo retirado um ponto que previa a criação ou
expansão de bancos de genes, e detalhes sobre sua gestão. Ao mesmo
tempo, outros meios de implementação foram muitos discutidos e tiveram a
redação modificada. Por exemplo, o ponto 2.b, inicialmente previa
“eliminar todas as formas de subsídios às exportações agrícolas” – texto
que foi bastante criticado, por ser pouco efetivo e incompleto para
tratar da questão do comércio e mercado agrícola. Como resultado, o
formato final previau “Corrigir e evitar restrições comerciais e
distorções nos mercados agrícolas mundiais”, além da correção de
subsídios.
Por fim, apesar de ter havido uma grande diminuição do número de
metas e meios de implementação, a redação final do ODS 2 demonstrou um
imenso avanço com relação ao que foi decidido e fixado como ODM para
combater a fome. Esse fato demonstra que a participação ativa de outras
agências da ONU, Grupos Principais e OSCs teve grande importância na
negociação e ajudou a construir um documento mais amplo.
*A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
(Abong) é uma sociedade civil sem fins lucrativos, democrática,
pluralista, antirracista e antissexista, que congrega organizações que
lutam contra todas as formas de discriminação, de desigualdades, pela
construção de modos sustentáveis de vida e pela radicalização da
democracia.