O governo federal assinou, nesta quarta (11), uma nova
portaria interministerial que recria o cadastro de empregadores
flagrados com mão de obra análoga à de escravo. A “lista suja'' do
trabalho escravo, como ficou conhecida, está suspensa por decisão do
Supremo Tribunal Federal desde dezembro de 2014, atendendo a um pedido
de uma associação de incorporadoras imobiliárias.
Publicada e
atualizada semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Previdência
Social desde novembro de 2003, a “lista suja'' garante transparência aos
nomes de pessoas físicas e jurídicas flagradas com trabalho escravo por
equipes de fiscalização do governo federal. É considerada pela
Organização Internacional do Trabalho um exemplo internacional no
combate a esse crime e era usada por empresas nacionais e estrangeiras,
além de governos, no gerenciamento de risco de suas relações comerciais e
financeiras.
Assinaram o novo texto, no início da noite, o
ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, e a ministra
das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos,
Nilma Lino Gomes.
Não há previsão para a publicação de uma nova
relação, que deve ficar a cargo do Ministério do Trabalho sob a gestão
Michel Temer.
“Essa portaria é mais um instrumento para
combatermos esta prática inaceitável que agride a condição humana de
brasileiras e brasileiros. Trabalho escravo nunca mais neste país'',
afirmou Miguel Rossetto.
A nova portaria busca esclarecer um dos
principais argumentos utilizados por Lewandowski para embasar sua
decisão: a de que a portaria anterior violava o direito à ampla defesa
dos empregadores por não especificar mecanismos e instâncias.
Miguel
Rossetto conversou com a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso no
Supremo, na manhã desta quarta. Ela afirmou que o mais importante era
garantir o direito de defesa do empregador antes da inclusão na “lista
suja''. Rossetto apresentou as mudanças que a nova portaria teria em
relação à antiga.
No ano passado, ela havia alertado ao governo
para que não publicasse uma nova lista de empregadores enquanto esses
pontos não fossem esclarecidos. O Ministério do Trabalho e a então
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República tinham
anunciado uma portaria interministerial em 31 de março de 2015 com o
mesmo objetivo, mas conteúdo diferente, da portaria assinada nesta
quarta. Na época, o STF considerou que aquele texto não resolvia os
pontos levantados por Lewandovski e manteve a suspensão.
Nesta
versão da portaria, foram aprimorados os critérios de entrada e saída de
empregadores. A inclusão na “lista suja'' passa a depender da aplicação
de um auto de infração específico para condições análogas às de
escravo. Até agora, a caracterização poderia ocorrer também através de
um conjunto de autos de infração, demonstrando a existência de trabalho
forçado, servidão por dívida, condições degradantes de trabalho e
jornada exaustiva. Isso deve facilitar a defesa dos empregadores.
“Área de Observação''
Ao
mesmo tempo, foi criada a possibilidade de uma “porta de saída''. Até
agora, o empregador inserido no cadastro permanecia por, pelo menos,
dois anos, e sua saída – após esse prazo – dependia da regularização de
sua situação junto ao Ministério do Trabalho e da melhoria das condições
no seu estabelecimento.
A partir da portaria desta quarta, o
empregador que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta ou acordo
judicial com o governo federal, adotando uma série de medidas,
permanecerá em uma espécie de “área de observação'' do cadastro, com as
empresas flagradas, mas que estão atuando na melhoria de seu negócio.
Essa área também será divulgada. Cumprindo as exigências, poderão pedir
sua exclusão dela partir de um ano. E, se descumprirem o acordo, serão
retiradas da observação e remetidas à lista principal.
Entre as
exigências para constar nessa segunda lista estão a renúncia a qualquer
tentativa de desqualificar a fiscalização sofrida; o pagamento de
débitos trabalhistas e previdenciários relacionados ao caso; o pagamento
de indenização aos trabalhadores resgatados; o ressarcimento aos cofres
do Estado dos custos com o resgate e com o seguro-desemprego fornecido
aos trabalhadores; a qualificação e a contratação de trabalhadores
egressos do trabalho escravo em um número, pelo menos, três vezes maior
que o de resgatados.
Também inclui a implementação de um programa
de auditoria e monitoramento do respeito aos direitos trabalhistas dos
seus empregados diretos e terceirizados; o envio de relatórios
semestrais sobre a adoção das medidas; a obrigação da prestação de
contas diante da União e das entidades da Comissão Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae); entre outras medidas
relacionadas.O monitoramento ficará a cargo da Secretaria Nacional de
Inspeção do Trabalho.
A assinatura do acordo com a União não
desobrigará a empresa de responder a demandas e processos judiciais.
Acordos firmados com o Ministério Público do Trabalho são válidos para
este caso se contemplarem as medidas aqui previstas.
Após a
cerimônia de assinatura, a nova portaria foi encaminhada para publicação
no Diário Oficial da União. A Advocacia Geral da União deve entrar com
pedido de perda de objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade,
que suspendeu a divulgação da lista, com base no fato da nova portaria
substituir a antiga e explicar os meios para a defesa do empregador.
A Organização das Nações Unidas havia defendido, no dia 29 de abril, a reativação da “lista suja''. Em um documento divulgado pelas agências das Nações Unidas no Brasil destacou
avanços significativos do país no combate a esse crime, lembrando que
ele é referência mundial. Mas faz alertas contundentes sobre ameaças ao
sistema de combate à escravidão e traz recomendações e destaca a questão
da lista.
“Nota-se uma crescente tendência de retrocesso em
relação a outras iniciativas fundamentais ao enfrentamento do trabalho
escravo, como por exemplo, o Cadastro de Empregadores flagrados
explorando mão de obra escrava, comumente reconhecido por “lista suja”,
que foi suspenso no final de 2014 devido a uma liminar da mais alta
corte brasileira em sede de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.''
Entenda o caso
Em
meio ao plantão do recesso do final de 2014, o ministro Ricardo
Lewandowski garantiu uma liminar à Associação Brasileira de
Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) suspendendo a “lista suja'' do
trabalho escravo. A entidade questionou a constitucionalidade do
cadastro, afirmando, entre outros argumentos, que ele deveria ser
organizado por uma lei específica e não uma portaria interministerial.
Com a suspensão, uma atualização da relação que estava para ser
divulgada no dia 30 de dezembro foi bloqueada.
Diante da liminar
concedida pelo Supremo Tribunal Federal, proibindo o governo federal de
divulgar a “lista suja'' do trabalho escravo, este blog, a ONG Repórter
Brasil e o Instituto do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho
Escravo solicitaram, com base na Lei de Acesso à Informação, que o
Ministério do Trabalho (responsável pela lista desde 2003) fornecesse os
dados dos empregadores autuados em decorrência de caracterização de
trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa
final nos dois anos anteriores. Ou seja, um conteúdo aproximado do que
seria a “lista suja'' se estivesse disponível.
Além da primeira
divulgação, em março de 2015, duas atualizações dessa “Lista de
Transparência do Trabalho Escravo'', como vem sendo chamada, foram
divulgadas, em setembro de 2015 e fevereiro de 2016. Ela passou a ser
usada por bancos públicos e privados, empresas frigoríficas, redes de
supermercados, entre outras empresas, no gerenciamento de risco de seu
negócio.
Considerando que a “lista suja'' nada mais é do que uma
relação dos casos em que o poder público caracterizou trabalho análogo
ao de escravo e nos quais os empregadores tiveram direito à defesa
administrativa em primeira e segunda instâncias; e que a sociedade tem o
direito de conhecer os atos do poder público, a Lei de Acesso à
Informação (12.527/2012), que obriga o governo a fornecer informações
públicas, garante a divulgação dessa “Lista de Transparência'' mesmo que
a “lista suja'' volte a estar disponível.
Informação livre é
fundamental para que as empresas e outras instituições desenvolvam suas
políticas de gerenciamento de riscos e de responsabilidade social
corporativa. A portaria que regulamentava a suspensa “lista suja'' não
obrigava o setor empresarial a tomar qualquer ação, apenas garantia
transparência e a nova portaria segue o mesmo caminho. São apenas fontes
de informação a respeito de fiscalizações do poder público.
Transparência
é fundamental para que o mercado funcione a contento. Se uma empresa
não informa seus passivos trabalhistas, sociais e ambientais, sonega
informação relevante que pode ser ponderada por um investidor, um
financiador ou um parceiro comercial na hora de fazer negócios.
Vale
informar que este jornalista está respondendo a um processo criminal
por difamação movido por uma empresa que teve seu nome divulgado na
relação fornecida pelo Ministério do Trabalho via Lei de Acesso à
Informação. Ou seja por garantir transparência a dados públicos.http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/05/11/no-ultimo-dia-governo-lanca-portaria-que-recria-lista-suja-da-escravidao/