Tamanho do SUS precisa ser revisto, diz novo ministro da Saúde
O novo ministro da Saúde, Ricardo Barros
(PP-PR), disse nesta segunda (16) que, em algum momento, o país não
conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante –como o
acesso universal à saúde– e que será preciso repensá-los.
"Vamos ter que repactuar, como aconteceu na Grécia, que cortou as
aposentadorias, e em outros países que tiveram que repactuar as
obrigações do Estado porque ele não tinha mais capacidade de
sustentá-las", afirmou em entrevista exclusiva à Folha.
Segundo ele, que foi relator do Orçamento de 2016 na Câmara, não há capacidade financeira suficiente
que permita suprir todas as garantias constitucionais. "Temos que
chegar ao ponto do equilíbrio entre o que o Estado tem condições de
suprir e o que o cidadão tem direito de receber." A seguir, trechos da
entrevista concedida à Folha após evento na Faculdade de Medicina da USP.
*
Folha - A meta de implantar o cartão SUS em todo o país nunca aconteceu. Como o sr. pretende fazer isso agora?
Ricardo Barros - O cartão SUS existe, mas há 300 milhões de
cartões. Ele está replicado para muita gente, mas tem gente com mais de
um cartão, com cartão fraudado. Ainda não estudei isso, mas minha missão
é ter gestão do sistema. E só vou ter se tiver informação. Só assim
vamos tomar as decisões corretas e disponibilizar os serviços adequados.
A gestão anterior do ministério disse que só há recursos para o Samu e
para o programa Farmácia Popular até agosto. Haverá cortes?
De fato, temos um orçamento muito restrito, o governo tem repassado R$
7,2 bilhões mensalmente para o Ministério da Saúde e temos gasto
exclusivamente esses recursos. Portanto, há limitação dos procedimentos
autorizados. Meu objetivo é conseguir recursos para as obrigações
contratadas. Isso pode representar, com o resto a pagar dos anos
anteriores, algo na faixa de R$ 14 bilhões.
Mas haverá cortes?
Não posso afirmar isso agora. O que existe é a certeza de que faltam
recursos, mas onde haverá o impacto dessa falta nós vamos decidir depois
que a equipe econômica me afirmar que não vai ter capacidade de suprir o
que estava previsto no Orçamento.
Há programas que precisam de continuidade para ter sucesso.
Hipertensos ou diabéticos, por exemplo, não podem ficar sem
medicamentos.
Remédios de uso contínuo estão disponíveis na rede do SUS. As
prefeituras têm esses medicamentos para disponibilizar. Precisamos
avaliar com muito carinho porque já sabemos que temos fraudes na compra
de remédio a preço subsidiado, o cidadão pega num posto, pega no outro,
tem cartão em duas ou três cidades e depois vai vender o remédio. O
programa é meritório e vamos ver quais recursos podemos disponibilizar
para ele.
Fraudes parecem atingir várias áreas da saúde. Como o sr. pretende atuar nessa questão?
Vamos rever os protocolos das áreas especializadas, vamos constituir
grupos de trabalho, rever protocolos, esse é o meu compromisso. Vários
especialistas já me reafirmaram que alguns protocolos que estabelecemos
para tratar determinadas doenças não são os mais eficazes e nem os mais
baratos. Vamos rever isso para que tenha a melhor eficiência e o melhor
gasto para o usuário.
Há conflitos de interesses que envolvem a indústria da saúde e as especialidades médicas...
Sim. Resistir aos lobbies será uma boa tarefa para implementarmos com a nossa equipe do ministério.
A rede de assistência tem hoje UTIs e unidades de saúde fechadas, aparelhos sem funcionar. Como lidar com isso?
Vou criar uma equipe para cuidar de todas as más aplicações de recursos.
Temos muito desperdício na gestão, que não é visível para as pessoas, e
que vamos cuidar com prioridade. Mas o que é visível para o cidadão,
isso nós vamos tratar rapidamente, porque ninguém aceita ter o seu
imposto mal gasto. Quando ele passa em frente a uma unidade básica de
saúde e ela está fechada, algo falhou no planejamento. Temos mais de 70
UPAs [Unidades de Pronto Atendimento] que estão funcionando sem
contrapartida do ministério.
Mais de 1,3 milhão de pessoas deixou de ter planos de saúde no último ano. Isso vai sobrecarregar ainda mais o SUS...
A ANS precisa ser mais ágil na regulação. A judicialização na área dos
planos tem obrigado que eles façam reajustes muito acima da inflação.
Cada vez que uma decisão judicial determina incluir um procedimento na
cobertura do plano, aumenta o custo e ele tem que repassar para o
consumidor.
Isso acaba prejudicando a todos os usuários, encarecendo o sistema e
fazendo com que mais pessoas deixem de ter planos. Quanto mais gente
puder ter planos, melhor, porque vai ter atendimento patrocinado por
eles mesmos, o que alivia o custo do governo em sustentar essa questão.
Não deveria ser o contrário, estímulo para um SUS melhor, já que pagamos impostos e temos direito à saúde?
Todos os cidadãos já pagam pela saúde, todos os cidadãos já pagam pela
segurança. No entanto, os gastos com segurança privada são muito
superiores aos da segurança pública. Infelizmente, a capacidade
financeira do governo para suprir todas essas garantias que tem o
cidadão não são suficientes.
Não estamos em um nível de desenvolvimento econômico que nos permita
garantir esses direitos por conta do Estado. Só para lembrar, a
Previdência responde por 50% das despesas do Orçamento da União. O
Estado acaba sendo um fim em si mesmo, e não um meio. O que adianta o
médico sem remédio, o pedreiro sem o tijolo, o motorista sem o
combustível. Nada. Não presta serviço para a comunidade.
O que fazer? Mudar a Constituição, que determina que a saúde é um direito universal?
A Constituição cidadã, quando o Sarney sancionou, o que ele falou? Que o
Brasil iria ficar ingovernável. Por quê? Porque só tem direitos lá, não
tem deveres. Nós não vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a
Constituição determina.
Em um determinado momento, vamos ter que repactuar, como aconteceu na
Grécia, que cortou as aposentadorias, e outros países que tiveram que
repactuar as obrigações do Estado porque ele não tinha mais capacidade
de sustentá-las. Não adianta lutar por direitos que não poderão ser
entregues pelo Estado. Temos que chegar ao ponto do equilíbrio entre o
que o Estado tem condições de suprir e o que o cidadão tem direito de
receber.
Repactuar já é uma proposta?
Isso terá que ser resolvido, mas são assuntos da área econômica que não quero interferir.
*
APERFEIÇOAR GESTÃO
Uma das prioridades do ministro da Saúde, Ricardo Barros, é aperfeiçoar
os sistemas de informação e de gestão dentro do SUS para que haja mais
eficiência e menos desperdício. O objetivo, afirma, é saber "como é
gasto cada centavo no SUS". "A gestão da informação vai permitir tratar
com clareza e transparência quanto e onde é utilizado na saúde os R$ 110
bilhões do governo federal, R$ 70 bilhões dos Estados e R$ 60 bilhões
dos municípios", afirmou.
Em visita à Faculdade de Medicina da USP nesta segunda (16), a convite
do cardiologista Roberto Kalil, Barros se reuniu com docentes, alunos e
com o secretário de Estado da Saúde, David Uip. Ouviu sugestões e
críticas. Uma delas foi sobre o programa Mais Médicos, que permite que
os profissionais estrangeiros atuem no país sem revalidação do diploma.
Barros prometeu avaliar a questão. Ele diz que a solução é o incentivo
de mais médicos brasileiros no programa.
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/05/1771901-tamanho-do-sus-precisa-ser-revisto-diz-novo-ministro-da-saude.shtml