Desde que foi cassado, há 38 dias, Eduardo Cunha atribui sua
derrocada a Michel Temer e aos auxiliares palacianos do presidente. Com o
passar do tempo, Cunha evoluiu da lamentação para a execração.
Vangloriava-se de ter “enxotado Dilma” da Presidência da República.
Considerava-se credor de alguma “gratidão”. E queixava-se de ter
recebido apenas “traição”. Ao ser preso,
nesta quarta-feira, Cunha levou seus rancores para a carceragem da
Polícia Federal em Curitiba. Hoje, nas palavras de um amigo, Cunha nutre
por Temer e pelo governo dele “uma profunda mágoa”.
A despeito da
revolta, o ex-mandarim da Câmara dizia em privado que não se tornaria
um delator. Fustigaria os “traidores” no livro que pretendia lançar
antes do Natal. A julgar pela primeira manifestação do advogado de Cunha
depois das últimas novidades —“Delação não está no nosso radar”—, a
prisão não alterou a disposição do seu cliente. Mas o amigo que se
dispôs a conversar com o blog comentou: “Dentro de um
mês, o Eduardo Cunha será a mesma pessoa. Com uma diferença: ele terá
passado 30 dias atrás das grades. E isso pode fazer uma extraordinária
diferença.”
O que o interlocutor do novo prisioneiro da Lava Jato
declarou, com outras palavras, foi o seguinte: depois do primeiro mês
mastigando a quentinha da cadeia
e dormindo no colchonete, Eduardo Cunha talvez se anime a delatar até a
própria sombra. Sitiado pelas provas que a força tarefa de Curitiba
reuniu contra ele em dois anos de investigação, o personagem terá de
suar muito o dedo para se tornar um colaborador da Justiça. Sua sombra a
Lava Jato já virou do avesso. Não lhe falta, porém, matéria-prima para
desestabilizar a Presidência de Temer. Resta saber até onde vai a mágoa
do novo hóspede da carceragem de Curitiba.
Gravado pelo correligionário Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, o senador e ex-ministro Romero Jucá, presidente do PMDB federal, dissera que a Lava Jato tinha que ser resolvida “na política”. Sem saber que falava para o gravador do celular de um delator, Jucá abriu seu coração: “Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar essa sangria.'' A troca de governo ocorreu. Mas o pesadelo de Eduardo Cunha não é senão a continuidade da “sangria” que a oligarquia do PMDB não conseguiu “estancar”.
Eduardo Cunha nunca se iludiu com o
Projeto Torniquete. Mas esperava que Temer e seus amigos do PMDB o
ajudassem a empurrar com a barriga a apreciação do pedido da cassação do
seu mandato. Achava que conseguiria manter a cabeça sobre pescoço se o
encontro com a guilhotina fosse adiado para depois das eleições
municipais. Por isso tentou, sem sucesso, acomodar um aliado na
presidência da Câmara depois que renunciou ao cargo, num esforço tardio
para salvar o mandato. O problema é que, apoiado pelo Planalto,
elegeu-se Rodrigo Maia (DEM-RJ). Que marcou o encontro de Cunha com a
guilhotina para as vésperas do primeiro turno da eleição. Daí a “mágoa
profunda” de Cunha. Ele enxerga as digitais de Temer no triunfo de
Rodrigo Maia, genro de Moreira Franco, chefe do programa de concessões
do governo e alvo da ira de Cunha.
Ironicamente, na petição que
encaminharam ao juiz Sergio Moro para fundamentar o pedido de prisão de
Cunha, os procuradores da força-tarefa da Lava Jato fizeram anotações
que indicam que a “mágoa” de Cunha não reduziu sua presença no governo. O
ex-deputado “ainda mantém influência nos seus correligionários, tendo
participado de indicações de cargos políticos do governo Temer”,
anotaram os investigadores. Como exemplo, citaram a nomeação do deputado
Maurício Quintella, líder do PR e membro da infantaria de Cunha, para o
posto de ministro dos Transportes.
Na gravação feita à sorrelfa pelo delator Sérgio Machado, Romero Jucá lamentara que, àquela altura, na bica de concluir a tramitação do processo de impeachment, Renan Calheiros, presidente do Senado, ainda torcesse o nariz para a deposição de Dilma. Renan “não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha”, afirmara Jucá. “Gente! Esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.” De fato, a conjuntura parece ter jurado Cunha de morte. Mas os podres que ele conhece dos ex-aliados o fazem imaginar que continua cheio de vida.
Como sinal
de sua vitalidade, Cunha fez circular pelos porões de Brasília nas
última semanas um conjunto de ameaças. Vão do dinheiro de má origem que
ele diz ter borrifado nas arcas da campanha de Temer à vice-presidência,
em 2014, até denúncias que podem incendiar o Congresso num instante em
que o Planalto precisa de tranquilidade para votar sua pauta de
reformas.http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2016/10/20/cunha-levou-para-cadeia-sua-magoa-de-temer/