Não passou nas TVs e rádios, pouco realçado nos jornais e internet.
Mas nessa quinta-feira (16) o Supremo Tribunal Federal decidiu o futuro
do Direito Administrativo e da Administração Pública brasileira.
O STF decidiu que a Administração Pública pode repassar a gestão de
escolas públicas, universidades estatais, hospitais, unidades de saúde,
museus, entre outras autarquias, fundações e empresas estatais que
prestam serviços públicos sociais para entidades privadas sem fins
lucrativos como associações e fundações privadas qualificadas como
organizações sociais.
Foi na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.923, proposta pelo PT e
pelo PDT contra a Lei 9.637/98, sancionada pelo presidente Fernando
Henrique Cardoso (PSDB).
O STF decidiu pela constitucionalidade de quase toda a lei. Nesse
sentido votaram os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha,
Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, nos termos da
Advocacia-Geral da União. Marco Aurélio Mello e Rosa Weber votaram
contra a privatização dos serviços públicos sociais, conforme o
Ministério Público Federal. O Relator Carlos Ayres Britto, quando era
Ministro, havia votado contra a privatização, permitindo apenas as OS
para fins de fomento por meio de convênios. Luís Roberto Barroso, por
ter substituído Ayres Britto, e Dias Toffoli, por ter agido no processo
como AGU, não votaram. Assim como Luiz Edson Fachin, que já foi
escolhido por Dilma Rousseff (PT) mas ainda não foi sabatinado pelo
Senado e nem empossado.
Com isso, por exemplo, uma Universidade Federal não precisa mais realizar concurso público para a contratação de professores.
Os Hospitais de Clínicas ligados às universidade federais não
precisam mais repassar a gestão para a empresa pública EBSERH – Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares.
Basta privatizar e repassar a gestão de suas unidades para ONGs, por meio de contratos de gestão, sem a realização de licitação.
E as entidades não farão licitação, não realizarão concurso público para suas contratações.
O STF decidiu no sentido de julgar parcialmente procedente o
pedido, apenas para conferir interpretação conforme à Constituição à Lei
nº 9.637/98 e ao art. 24, XXIV da Lei nº 8666/93 (incluído pela Lei nº
9.648/98), para que tanto o procedimento de qualificação; a celebração
do contrato de gestão; a dispensa de licitação para contratações das OSs
que celebraram contratos de gestão; a outorga de permissão de uso de
bem público para as OSs; os contratos a serem celebrados pela OS com
terceiros, com recursos públicos; e a seleção de pessoal pelas OSs seja
conduzidos de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos
princípios do caput do art. 37 da CF: Legalidade, Impessoalidade,
Moralidade, Publicidade e Eficiência; e afastar qualquer interpretação
que restrinja o controle, pelo Ministério Público e pelo TCU, da
aplicação de verbas públicas.
Ou seja, além de poder privatizar toda a gestão de entidades estatais
que prestam serviços públicos sociais, isso pode ser feito sem
licitação, bastando um procedimento simplificado que garanta os
princípios. Infelizmente o STF errou, de novo.
O que cabe fazer é os indignados com esse absurdo entrarem com ações
contra cada ato que realizar essas privatizações, ainda com a tentativa
de que as OSs sejam utilizadas no caso concreto apenas para fins de
fomento do Estado, para que o Poder Público fomente a iniciativa privada
sem fins lucrativos, mas sem repasse de gestão de estruturas já
existentes.
Em tempo, alguns esclarecimentos sobre o post:
Os servidores públicos e professores estatutários das universidades
federais podem ficar tranquilos, seus cargos estão garantidos, mesmo se
sua Universidade repassar a gestão dela para uma OS. O problema é que
vocês vão ter que conviver com trabalhadores celetistas fazendo as
mesmas funções do que vocês.
Aqui deixo claro que o STF entende que as universidades PODEM
terceirizar via organizações sociais, mas não que DEVAM, ou que VÃO
fazer isso.
Mas antes da decisão do STF já havia proposta de contratar sem
concurso público, via OSs, professores estrangeiros e pesquisadores, que
seriam celetistas.
Essa prática de burla ao concurso público já existe em vários
hospitais e museus estaduais em todo o Brasil, e pode virar prática na
educação, com chancela do STF.
No Paraná a APP Sindicato conseguiu excluir a educação na Lei das OS estadual e, por isso, aqui não há esse perigo.
É claro que será essencial que, se quiserem fazer essa barbaridade,
que os estudantes, servidores e professores se indignem e pressionem
contra, inclusive com ações na Justiça.
Fico a disposição para maiores dúvidas nos comentários.
Tarso Cabral Violin – advogado e professor universitário estudioso
sobre as Organizações Sociais, o Direito Administrativo, o Direito do
Terceiro Setor e as licitações e contratos administrativos, mestre e
doutorando (UFPR), autor do livro Terceiro Setor e as parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (editora Fórum, com 3ª edição no prelo) e autor do Blog do Tarso.
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