Não são poucos os indícios de que, outrora causadoras de pânico, as
doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), hoje, parecem já não
assustar. Grande sinal disso é que o uso de preservativos, principal
forma de evitar essas infecções, torna-se cada vez menos popular: mais
da metade da população sexualmente ativa admite não usar camisinha,
mesmo que 95% reconheçam sua eficácia. Como consequência, a transmissão
de hepatite B na população brasileira cresceu 74% desde 2004, e a
transmissão de HIV na faixa de 15 a 19 anos aumentou 53% na última
década. Enquanto isso, o estoque da vacina contra o papilomavírus humano
(HPV) — um dos principais causadores de câncer de colo do útero —,
oferecida pela rede pública a meninas de 9 a 13 anos, está sobrando nos
postos. A imunização só atingiu 44,23% dessas meninas este ano, índice
bem longe da meta de 80%. E há, ainda, a assustadora epidemia de
sífilis, que assola principalmente o Rio, estado com o maior número de
casos da doença em gestantes e recém-nascidos.
— Perdemos o medo das DSTs. A Aids, por exemplo, passou de uma doença
que levava à morte muito rapidamente para uma doença crônica, tratável.
Os jovens de hoje não chegaram a ver seus ídolos morrendo por causa
dela — disse Alberto Chebabo, infectologista do Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho, da UFRJ.
Chebabo foi um dos palestrantes da última edição do Encontros O GLOBO
Saúde e Bem-Estar, na última quarta-feira, dia 13, que discutiu as DSTs
e contou também com a presença da ginecologista Cláudia Jacyntho,
doutora pela Unicamp, e do cardiologista Cláudio Domenico, coordenador
do evento, mediado pelo jornalista do GLOBO, William Helal Filho.
Se, por um lado, a perda do medo dessas doenças é positiva porque
tira o estigma associado a quem tem uma DST, por outro é usada como
justificativa para deixar a camisinha de lado.
— O mais complexo na medicina é convencer o ser humano a mudar de
comportamento — avalia Domênico. — Para muitos males, como sífilis, HIV e
gonorreia, não há sequer vacinas. Então, a melhor saída é usar
preservativo. Prevenir é sempre melhor do que remediar.
QUEDA NA PROCURA POR VACINA CONTRA HPVNos
últimos dois anos, o Brasil conheceu uma nova forma de prevenção com a
vacina quadrivalente do HPV, que protege contra os sorotipos 6, 11, 16 e
18. Os dois primeiros são responsáveis por 90% dos casos de verrugas
genitais, enquanto os dois últimos causam 70% das ocorrências de câncer
de colo do útero. O esforço federal de vacinação tem como meta frear as
atuais estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca), que prevê o
surgimento de 16 mil novos casos de tumor de colo do útero em 2016, e
5,4 mil mortes pela doença.
A campanha foi feita na primeira quinzena deste mês, e a vacina está
disponível até o fim do ano em postos de saúde, mas em unidades como o
Centro Municipal Heitor Beltrão, na Tijuca, a procura é cada vez menor.
Se cerca de cinquenta doses eram dadas por dia em 2014, ano em que ela
entrou no Calendário Nacional de Vacinação destinada somente a meninas
de 11 a 13 anos, hoje é aplicada em duas garotas por dia, em média,
segundo enfermeiras da unidade.
— O HPV, ao lado da herpes genital, é a virose sexual transmitida com
maior frequência. E o ápice da transmissão é abaixo dos 25 anos —
contou Cláudia Jacyntho, em sua palestra. — É preciso lembrar, claro,
que o HPV, sozinho, não causa câncer. A grande maioria das mulheres
entra em contato com ele, mas desenvolve imunidade natural. Para chegar a
ter câncer, são necessários outros fatores, como tabagismo e baixa
imunidade.
Muitas dessas doenças só apresentam sintomas quando já estão em
estágio avançado. A sífilis, por exemplo, pode levar a problemas
cardíacos, meningite e até à loucura. E, contraída por grávidas, pode
causar malformações nos bebês. De 2008 a 2013, o número de grávidas
infectadas no Brasil saltou de menos de 10 mil para 21.382 — 7,4 casos
para cada mil nascidos vivos. No ano seguinte, já eram mais de 25 mil
casos diagnosticados.
— A sífilis só começa a dar sinais visíveis nas mulheres quando está
na fase secundária — explicou Alberto Chebabo. — Se a doença chegar à
fase terciária, ameaça causar, anos depois, problemas como demência e
malformação na aorta, principal artéria do corpo.
MILHÕES DE INFECTADOS POR CLAMÍDIA E GONORREIAOutras
doenças transmitidas por sexo são mais comuns do que se pode pensar. A
clamídia, por exemplo, afeta 1,9 milhão de pessoas a cada ano no país e a
gonorreia, 1,5 milhão, de acordo com estimativa da Organização Mundial
da Saúde.
— A clamídia é assintomática em 70% das vezes, e a gonorreia, em 40%.
E, mesmo quando dão sintomas, é comum as mulheres acharem que estão com
infecção urinária — disse Cláudia Jacyntho.