O presidente Michel Temer (PMDB-SP) acionou o STF (Supremo Tribunal
Federal) para tentar barrar processos judiciais contra políticos que
possuam concessões de rádio e TV. A iniciativa, tomada por meio da AGU
(Advocacia-Geral da União), pode favorecer 40 parlamentares, entre eles
os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Agripino Maia (DEM-RN), Fernando
Collor (PTC-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA).
No dia 9, o governo
federal ingressou no Supremo com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental) pedindo que os ministros suspendam e julguem
inconstitucionais decisões judiciais recentes que contrariam os
interesses de deputados e senadores.
Na arguição, o governo
afirma que tais decisões conferem "interpretação incorreta à regra de
impedimento constante do artigo 54" da Constituição Federal e "ofendem
os preceitos fundamentais da proteção da dignidade da pessoa, da livre
iniciativa, da autonomia da vontade, da liberdade de associação e da
liberdade de expressão". A peça é assinada por Temer, pela
advogada-geral da União, Grace Mendonça, e pela secretária-geral de
Contencioso, Isadora Cartaxo de Arruda.
A ministra Rosa Weber
foi designada relatora da arguição de Temer no STF. Não há previsão para
que o caso entre na pauta do plenário da Corte.
O tema das concessões de políticos já é objeto de duas ADPFs no
Supremo, ambas movidas pelo PSOL e sob relatoria do ministro Gilmar
Mendes. Estas arguições questionam as concessões de políticos e foram
reforçadas por pareceres da Procuradoria-Geral da República.
No
último dia 21, o advogado Bráulio Araújo, que representa do PSOL e
integra o Intervozes, coletivo de ativistas pelo direito à comunicação,
protocolou no STF manifestação em que rebate os argumentos do governo e
reafirma a tese de que a Constituição veda concessões a parlamentares. O
documento também será analisado por Rosa Weber.
Divergência
A divergência principal se dá em torno do artigo 54 da Constituição.
Ele prevê que deputados e senadores não podem "firmar ou manter contrato
com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública,
sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço
público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes" nem
"aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado" em entidades
como estas.
O artigo também diz que os parlamentares não podem
"ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de
favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público".
Para o PSOL e entidades como o Intervozes, o artigo impediria a
concessão ou a renovação de concessões de rádio e TV a empresas que
tenham deputados e senadores como sócios.
Doutor em direito
econômico pela USP (Universidade de São Paulo) e autor das duas ADPFs
movidas pelo PSOL, Bráulio Araújo diz que a proibição é clara e tem
amparo em decisões do próprio STF. "É constitucional a imposição por lei
de alguns limites às liberdades individuais."
Para o governo
Temer, esta interpretação é incorreta porque os atos de concessão
obedeceriam a cláusulas uniformes, ou seja, poderiam se encaixar na
exceção prevista no artigo.
Cancelamentos de concessões
Paralelamente, neste ano, a Justiça Federal determinou o cancelamento
de concessões de emissoras de rádio de três deputados federais de São Paulo:
Baleia Rossi (PMDB), Beto Mansur (PRB) e Antônio Bulhões (PRB). As
decisões foram tomadas após ações do Ministério Público Federal. Ações
similares contra parlamentares tramitam em outros Estados.
De acordo com a AGU, foi esse conjunto de medidas que levou o governo federal a acionar o STF (ver nota abaixo).
Levantamento do Intervozes mostra que 32 deputados federais e oito senadores são sócios de emissoras de rádio e TV no país (confira a lista).
Dois deputados tornaram-se ministros de Temer: Ricardo Barros (Saúde) e
Sarney Filho (Meio Ambiente). À "Folha de S.Paulo", em 2015, alguns congressistas disseram que não têm participação em emissoras.
Araújo ressalta que nenhum governo desde a redemocratização, na década
de 1980, combateu a permissão para parlamentares terem concessões de
radiodifusão, mas se diz surpreso com a iniciativa do governo Temer em
defesa da prática.
"A situação chegou a esse ponto por omissão
do Poder Executivo nas últimas décadas. Questionamos essa omissão
sistematicamente. Nosso objetivo [no Ministério Público] era provocar a
manifestação do Supremo. O governo tenta agora justificar a omissão com
essa ADPF", afirma o procurador da República Jeferson Aparecido Dias,
que atua na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de
São Paulo e participa do Findac (Fórum Interinstitucional pelo Direito à
Comunicação).
No entendimento de Dias, parlamentar que é dono
de concessão não pode vender sua parte nem transferi-la a um familiar,
deve devolvê-la ao poder público.
O que dizem os parlamentares
Procurado pelo UOL,
Sarney Filho afirmou, por meio de nota enviada pela assessoria do
ministro do Meio Ambiente, que "não é proprietário e sim cotista
minoritário" de veículos de comunicação. De acordo com o Intervozes, ele
é sócio das rádios Mirante e Litoral Maranhense e da TV Mirante.
"A Constituição Federal não faz qualquer referência ao fato de sócios,
de empresas jornalísticas e de radiodifusão, serem detentores de
mandatos eletivos. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, é sócio cotista
da empresa Frequencial Empreendimentos de Comunicação não tendo a
maioria das cotas da empresa", disse em nota a assessoria de imprensa do
Ministério da Saúde. A Frequencial é uma emissora de rádio situada em
Maringá (PR).
"Por se tratar de matéria constitucional,
cumprirei a decisão do Supremo Tribunal Federal, quando for proferida,
sobre o assunto", disse o senador Agripino Maia por meio de sua
assessoria de imprensa. O parlamentar é dono da TV Tropical.
Entre segunda (28) e esta terça-feira (29), a reportagem também
questionou por telefone e e-mail as assessorias de Aécio e Barbalho, mas
as respostas não foram enviadas. A reportagem tentou fazer contato com a
assessoria de Collor nos dois dias, deixou recados, porém não obteve
resposta.
O senador Edison Lobão (PMDB-MA) também estaria na
lista como sócio da rádio Guajajara, no Maranhão, mas seu suplente,
Edison Lobão Filho, que é dono de uma rede de TV no Estado, disse ter
assumido a parte do pai na emissora.
Nota da AGU
Procurada para comentar o assunto, a assessoria de Temer no Palácio do
Planalto orientou a reportagem a fazer contato com a AGU, responsável
pela elaboração da peça de arguição enviada ao STF. Veja abaixo a
íntegra da nota enviada pela AGU.
"A medida judicial adotada
foi sugerida ao Presidente da República como instrumento cabível
diante da verificação, a partir de informações da Consultoria Jurídica
junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações -
Conjur/MCTIC, noticiando a existência de várias ações judiciais em
trâmite em diversos tribunais regionais e em primeira instância em que
se questiona a possibilidade de Parlamentares integrarem quadro
societário de detentoras de outorgas da União para o serviço de
radiodifusão.
Essa situação de existência de processos
foi corroborada por pedidos de informação da Procuradoria da União no
Estado do Pará em razão de processos questionando o mesmo assunto. A
sugestão da medida foi acolhida pelo Presidente da República, que
assinou a inicial. A solução da questão depende da análise do Corte
sobre o assunto." http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/12/01/temer-age-para-que-deputados-e-senadores-mantenham-concessoes-de-radio-e-tv.htm?cmpid=fb-uolnot